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Projeto Água e Qualidade de Vida apresenta uma proposta de alcance sócio-ambiental

Editoria: Vininha F. Carvalho 21/03/2007

De 30 projetos ambientais patrocinados pela Petrobras em todo o País em 2004, apenas três foram reeditados pela estatal brasileira por mais dois anos. Por meio de um telefonema de Ana Balogh, da coordenação do Programa Petrobras Ambiental do Rio de Janeiro os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR´s) e Sindicatos da Agricultura Familiar (Sintraf’s) ligados à Fetraf-Sul/CUT souberam que o projeto Água e Qualidade de Vida desenvolvido em 27 municípios do Sudoeste do Paraná, é um destes e vem sendo considerado como uma das melhores experiências populares em termos de sustentabilidade ambiental, hoje, no Brasil.

Em dois anos de execução, o projeto beneficiou cerca de três mil famílias de agricultores, com a proteção de mais de mil fontes naturais de água, quando a pretensão original era de proteger 600 delas. Também envolveu 108 escolas públicas e 12 mil estudantes do ensino fundamental nas atividades de semeadura da consciência e de atitudes ecológicas na região.

O projeto consiste em uma proposta sócio-educativa de preservação das minas naturais de água, que ainda permanecem ativas ou não sofreram drenagem. Ele objetiva questionar a perfuração desenfreada de poços artesianos, em especial aquela que desrespeita a legislação sobre meio ambiente e ignora ou faz vista grossa aos estudos de impacto ambiental da atividade.

O projeto Água e Qualidade de Vida é uma ação simples e prática que parte da premissa de que há oferta de água superficial suficiente nos municípios da região Sudoeste para abastecer as pequenas propriedades rurais e que a desvalorização desse recurso é que leva as pessoas a investirem em medidas nocivas à sustentabilidade dos ecossistemas nessas regiões de intenso cultivo agrícola.

“Há propriedades com maior vazão de água em suas minas superficiais do que a provocada por poços artesianos. Muitas minas existentes na maioria das propriedades rurais são capazes de abastecer uma comunidade inteira. Ainda assim, sem grandes informações, os agricultores familiares perfuram poços nesses locais, muitas vezes patrocinados ou incentivados pelo poder público”, diz o técnico do Projeto Água, Norberto Citon.

A iniciativa dos próprios agricultores familiares se dedica, ainda, a fazer um acompanhamento sistemático das minas d’água, desde o momento em que o agricultor ou a agricultora ingressa no Projeto até a conclusão dos trabalhos, divididos em diagnóstico da propriedade, histórico da mina, a proteção da fonte em si, sempre na presença de vizinhos e amigos para estimular a prática e evidenciar a facilidade da técnica de proteção, o reflorestamento em torno da fonte, se necessário, e, por fim, a construção de cerca para proteger a mata ciliar.

Ao longo de todo o processo, os agricultores participam de dois cursos de capacitação, num total de 32 horas-aula, por meio dos quais são repassadas técnicas ambientais, os conceitos ecológicos, práticas de preservação da água, do ambiente, noções de legislação ambiental e práticas de produção ecológica.

A deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), que é uma das incentivadoras das ações do projeto na região Sudoeste, destaca a evolução na qualidade de vida das famílias de agricultores que se envolveram nesse trabalho.

“O acesso a informação e a técnicas preservacionistas, associados à mudança de atitude alteram significativamente e pra melhor a vida dessas famílias”, diz ela.


Plantando o amanhã

Há cerca de três anos, um grupo formado por agricultores, técnicos e lideranças de organizações da agricultura familiar já discutia a necessidade de um amplo trabalho de conscientização ecológica, que apontasse alternativas para conciliar a demanda de geração de trabalho e renda aos agricultores familiares do Sudoeste, mas também garantisse a sustentabilidade dos ecossistemas, em outras palavras, as famílias precisavam sobreviver da terra, mas sem esgotar os recursos que a natureza oferecia.

A problemática das estiagens prolongadas, a escassez de água superficial, o aquecimento global e o grande número de poços artesianos perfurados na região eram agravantes da realidade dessas famílias e colocavam em risco o presente e o futuro da produção de alimentos.

Por conta disso, decidiu-se por iniciar um trabalho prático e no melhor estilo “formiguinha”, mas capaz de apresentar resultados concretos em pouco tempo. Isso tanto em nível de educação ambiental, quanto da adoção de medidas concretas e eficazes, como a de valorizar a presença da água nas propriedades rurais por meio da proteção das fontes naturais e das chamadas nascentes e vertentes.

Em 2004, o Programa Petrobras Ambiental avaliou 300 projetos de todos os cantos do país, para selecionar apenas 30 ações a serem patrocinadas pela empresa. O assessor jurídico Leones Dall’Agnoll, que representou o projeto da ACESI – Associação do Centro de Educação Sindical do Sudoeste do Paraná – na defesa do trabalho, lembra que “grande parte das experiências apresentadas para a banca de técnicos da Petrobras e professores de universidades públicas era formada por ações mais amplas, como a recuperação de mangues e florestas.

O projeto Água e Qualidade de Vida trazia uma proposta de alcance sócio-ambiental, unindo a necessidade de oferecer água com qualidade à praticidade de proteger as minas d’água já existentes nas propriedades de economia familiar. Era uma idéia de certa forma tão simples que conseguia se mostrar abrangente, até porque ela era viável, multiplicadora e promovida pelos próprios agricultores familiares e suas organizações”, afirma Dall’Agnoll.


A ‘praga’ dos poços artesianos

Um dos idealizadores do projeto Água e Qualidade de Vida, o dirigente sindical Luís Pirin, ressalta que a constatação do aumento do número de poços artesianos perfurados na região foi motivadora dos trabalhos.

“Embora técnicos da área de saneamento e recursos hídricos afirmem não haver prova científica de que a perfuração desses poços esgote ou gere impactos negativos na oferta de águas superficiais, os relatos dos agricultores, a partir da observação de fatos concretos, apontam para a diminuição significativa da pressão e, consequentemente, da vazão de água nas propriedades do entorno. O técnico Norberto Citon reforça essas conclusões:

“Muitas famílias percebem uma diminuição brusca do volume de água na propriedade com a presença de poços artesianos no entorno e isso não depende da distância destes com relação a açudes e fontes, mas da estrutura do lençol freático em si”.

Em Francisco Beltrão, por exemplo, um poço instalado em propriedade vizinha a de um integrante do projeto, distante cerca de um quilômetro de uma mina d’água histórica, secou essa fonte em pouco tempo”, diz Citon.

“Há relatos que dão conta de efeitos negativos registrados em mais de 10 Km de distância dos poços”, completa.


Crítica ao imediatismo

A preocupação do projeto não era necessariamente buscar saber o que significava a abertura de um poço artesiano em cada propriedade rural, mas o assunto veio à tona quando se percebeu que, só em 2004, seriam liberadas 14 outorgas no Sudoeste do Paraná e foram!, que resultaram na perfuração de cerca de 100 poços a mais na região.

“Esse fato reflete um mero conceito extrativista de produção, pautado apenas na necessidade de se sanar problemas imediatos, sem pensar no futuro e nas conseqüências dessas ações. Com isso, corre-se um grande risco de esgotar os recursos naturais sem se importar com a sustentabilidade dos ecossistemas”, argumenta a coordenadora do projeto Água e Qualidade de Vida e do Núcleo Sindical do Sudoeste, Loeri Pasa.

Aos poucos, no decorrer da execução do projeto, a mudança de comportamento foi se tornando uma realidade para essas famílias que se conscientizaram da necessidade de proteger as fontes de água na propriedade.

A importância de se ter disponível água de qualidade se constitui, hoje, numa certeza para as três mil famílias beneficiadas. Foi possível perceber, ainda, a alteração no aspecto geral da água nas propriedades, uma vez que a água desprotegida está sujeita ao depósito de matéria orgânica (folhas das árvores entre outras) e isso altera o seu gosto.

Os agricultores familiares que protegeram suas fontes se convenceram tanto, que exibem com orgulho esse trabalho. Na casa de Celso e Ivanir Zucchi, do Km 8, comunidade que fica no interior de Francisco Beltrão, as três fontes protegidas viraram uma espécie de atração turística, pois a família leva constantemente os visitantes a conhecerem de perto as minas protegidas e a aprenderem um pouco mais a respeito do projeto.

Celso Zucchi conta que a água saudável inundou de vida sua família: “De tempos em tempos, a família inteira era acometida de grave disenteria, pois a mesma água que chega até a minha casa abastece pelo menos três outras moradias. Quando fomos quebrar os tijolos da mina d’água para fazer a proteção da fonte nos moldes do projeto do sindicato, havia ninhos de ratos nessa estrutura. Foi rato pra tudo quanto era lado e, com eles, as diarréias e febres altas causadas pela contaminação da água”, lembra.


Custos: quanto vale uma vida saudável?

Para garantir a qualidade da água, é importante fazer com que ela, desde que brota da terra, não tenha a menor possibilidade de contato com substâncias contaminantes que irão alterar seu gosto e aparência. Por incrível que pareça, o custo de se garantir a nutrição de uma vida saudável, a partir do abastecimento de água de qualidade em casa, chega a ser irrisório e varia de acordo com a estrutura da mina.

O material necessário para se fazer a proteção da fonte em si consiste em meio saco de solo-cimento e mais tubos (canos de PVC). Isso significa um gasto que varia de 10 a 50 reais, sem considerar a mão-de-obra, que pode ser empregada de algum membro da própria família (custo zero). Se for necessário cercar ou reflorestar a área, a família vai arcar com os gastos da aquisição de palanques de madeira para fazer a cerca (mais ou menos 200 reais) e pagará também por aproximadamente 500 metros de arame farpado (cerca de 100 reais). Mas se a fonte estiver, por exemplo, no meio de uma região de mata, o custo da obra se resume à compra de solo-cimento, que significa algo em torno de 20 reais apenas.


O crime não compensa

O Sudoeste do Paraná possui aproximadamente 45 mil propriedades rurais de economia familiar. Durante as atividades do projeto Água e Qualidade de Vida foi possível extrair, por meio de entrevistas e relatos dos agricultores, uma amostra desse universo e um diagnóstico da realidade dos pequenos municípios da região.

Para trabalhar as temáticas da legislação ambiental, o técnico do projeto pedia aos agricultores que desenhassem um mapa de sua propriedade e identificassem nesse desenho as fontes, rios, córregos, sangas, olhos-d’água, ou seja, toda e qualquer presença de água no local.

Feita essa identificação, os agricultores eram orientados a traçar as linhas de mata ciliar, obedecendo à risca a legislação ambiental, e, com isso, visualizar o que restava de área para o cultivo agrícola na sua propriedade.

O diagnóstico é no mínimo curioso. Segundo esse levantamento testemunhal: cerca de 20% das propriedades de agricultura familiar do Sudoeste do Paraná tornariam-se inviáveis economicamente, dentro do atual modelo de produção, se obedecessem à risca a legislação ambiental.

Outras 15% estão próximas de cumprirem as leis específicas tanto estaduais quanto federais e algo em torno de 65% é o percentual das famílias que sofrerão uma diminuição significativa na sua renda por conta do respeito às normas de preservação.

Mas, por mais difícil que possa parecer esse dever-de-casa, os agricultores familiares têm prazo já definido para se adaptarem à legislação ambiental e se colocarem em dia com essa tarefa, pois o relógio está correndo e a temperatura no planeta continua em elevação.

“Até 2018, de acordo com o SISLEG, o agricultor tem prazo para colocar sua propriedade dentro das exigências da legislação ambiental. Sob pena de, se não proceder dessa forma, perder o direito de acessar recursos públicos, desde subsídios estaduais a crédito rural para investimento ou custeio da produção”, afirma Luiz Pirin, que é também presidente do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser).

Pirin lembra que o Movimento Sindical ligado à agricultura familiar se preocupa há anos com a proposição de alternativas de desenvolvimento sustentável, sem perder de vista a necessidade de sobrevivência das famílias na propriedade, também com a geração de perspectivas de uma vida cada vez mais digna e a possibilidade concreta de permanência dessas famílias no interior.

“O modelo produtivo da agricultura familiar, de base agroecológica e com diversificação de culturas, ainda é a melhor proposta para a garantia de vida na Terra. A destruição que constatamos, hoje, é fruto de décadas de imposição dos interesses da revolução verde, do latifúndio, da ganância, do individualismo, da poluição ambiental e da produção não de alimentos, mas de lucros particulares. É por isso que consideramos injusto com os agricultores familiares fazer com que eles assumam sozinhos todo o ônus de se tentar reverter o estrago causado pela degradação do meio ambiente, pelo descontrole e a falta de destinação adequada do lixo urbano e pela emissão de dejetos industriais e poluentes em geral”, reclama Pirin, que reforça que a conseqüência dessa responsabilização seria fatalmente uma nova onda de êxodo rural na agricultura familiar e que isso se coloca na contramão das políticas públicas do governo federal, que visam manter agricultores e agricultoras familiares vivendo com dignidade no campo, a exemplo do programa de habitação rural, do seguro agrícola, do Pronaf, do compra direta na aquisição de alimentos da agricultura familiar e da garantia de preços mínimos para este setor.

Um projeto de lei (PL nº 027/2006), de autoria do deputado estadual Pedro Ivo Ilkiv, que prevê a "compensação" aos agricultores familiares que tiverem prejuízos com o cumprimento da legislação ambiental parou na Comissão de Orçamento da Assembléia Legislativa do Paraná no ano passado e deverá ser reformulado para ser reapresentado novamente este ano. Um opositor dessa idéia é o próprio governador do estado, Roberto Requião.

Segundo o chefe do executivo paranaense, “não se paga ninguém por fazer o que é certo, por não poluir, por não degradar ou por não fumar, por exemplo”. Mas as organizações da agricultura familiar não desistiram de continuar tentando fazer avançar essa discussão nas negociações com o governo estadual, porque acreditam que as portas do Palácio Iguaçu não estejam totalmente cerradas para o assunto, a partir da própria sensibilidade que Requião tem demonstrado no trato das ações de interesse do setor da agricultura familiar.

Antes, no entanto, o governador tem afirmado que a área ambiental é uma de suas prioridades e que irá investir consideravelmente em programas, sim, de manejos agroflorestais, na produção orgânica e agroecológica de alimentos da agricultura familiar, em assistência técnica e pesquisas que favoreçam a diversificação produtiva nas pequenas propriedades e que se manterá firme no combate aos produtos geneticamente modificados, os transgênicos.

Escolas de vida

Um dos primeiros passos do projeto Água e Qualidade de Vida foi o de realizar toda uma mobilização social em torno da discussão das suas ações. Nos três meses iniciais, 108 escolas públicas trabalharam o tema da ecologia na agricultura familiar nas salas-de-aula do ensino fundamental.

Mais de 12 mil estudantes também desenharam suas noções de ecologia e meio ambiente para o concurso da logomarca oficial do projeto. O trabalho vencedor foi da estudante Vanesa Genssler, de 12 anos, filha de agricultores familiares do município de Salto do Lontra.

Mas a formação de "cidadãos ambientalistas" não ficou restrita ao espaço colegial, não! Em cada município de atuação, o projeto possuía um agricultor ou agricultora que era responsável pela execução dos trabalhos naquele local. Estes participavam de cursos de formação específica e se capacitavam em técnicas de proteção ambiental para poderem orientar a atuação das demais famílias envolvidas no projeto.

Na grande maioria dos municípios, esses agricultores familiares se tornaram referências na preservação de minas d’água, a ponto de serem requisitados para ministrar palestras ou ensinar as técnicas, mesmo após a conclusão das atividades do projeto no seu município.

Muitos agricultores e agricultoras eram lideranças comunitárias, ministros da eucaristia, que se tornaram lideranças do movimento sindical da agricultura familiar, especializados em preservação das fontes de água e dos recursos naturais nas propriedades ou assumiram papéis importantes nas direções dos sindicatos e até mesmo alguns foram eleitos para presidir sua entidade.

Também aconteceram nestes dois anos vários intercâmbios e atividades de troca de experiências. Além do envolvimento dos Sindicatos, dos agricultores familiares e das escolas, durante a I Caravana Nacional da Agricultura Familiar, no ano passado, agricultores de outros estados, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Mato Grosso do Sul e de outras regiões do Estado do Paraná, puderam conhecer o funcionamento do projeto Água e Qualidade de Vida e os visitantes se mostraram bastante interessados em levar para as suas regiões essa proposta.

Próximos passos:

O Água e Qualidade de Vida acaba de lançar um DVD com um documentário sobre o trabalho do projeto e a importância da preservação ambiental. Foram produzidas, ainda, duas cartilhas: uma voltada para crianças de 1ª a 4ª séries e outra, para os grupos de base e agricultores familiares. Esta última, visa a capacitação na área ambiental.

Para a renovação da parceria com a Petrobras, o trabalho desenvolvido no Sudoeste do Paraná já prevê uma demanda três vezes maior que a da primeira edição do projeto. De acordo com Loeri Pasa, a previsão é de fazer a proteção de mais três mil fontes na região.

“E não é só! Queremos continuar acompanhando as famílias que participaram até aqui do projeto, porque a proteção dos ecossistemas não se esgota na fonte de água, ela envolve também o plantio e reposição da mata ciliar de toda água presente na propriedade”, afirma a coordenadora do Projeto Água.

“Vamos ampliar nossa atuação, sem descuidar de atender as necessidades das famílias que já têm suas fontes protegidas”, conta. Nessa reedição, o Água e Qualidade de Vida vai voltar sua atenção com muita força para o saneamento básico das propriedades rurais e para o impacto dessas mudanças estruturais na saúde da família.

Fonte: Thea Tavares